
As recentes falas de ataques de Carlos Eduardo em relação à Álvaro Dias expõem mais do que uma simples desavença política: revela a fragilidade das alianças construídas sobre interesses momentâneos e a facilidade com que a memória se torna seletiva quando convém ao discurso do momento. Ao chamar seu antigo aliado de “desleal” e “ingrato”, Carlos Eduardo parece ter esquecido que na política potiguar, como em qualquer outro cenário político brasileiro, a lealdade é uma via de mão dupla e o retrovisor, quando acionado honestamente, pode mostrar imagens inconvenientes.
Quando Carlos Eduardo deixou a Prefeitura de Natal em 2018 para disputar o governo estadual, transferiu a gestão municipal para Álvaro Dias em um movimento que parecia selado pela confiança mútua. A transição foi exemplar: compromissos honrados, equipes mantidas, continuidade administrativa. Álvaro assumiu não apenas o cargo, mas também o ônus de manter de pé os projetos do antecessor. Naquele momento, a lealdade funcionava perfeitamente, mas para o lado de quem detinha o poder de escolher o sucessor.
O episódio da escolha do vice na reeleição de Álvaro, em 2020, é emblemático da relação assimétrica que já se desenhava. Ao solicitar três nomes a Carlos Eduardo, Álvaro tentava construir uma ponte democrática dentro da aliança. A resposta, porém, foi um bilhete com um único nome repetido três vezes: Aíla Cortez, prima da esposa de Carlos. Não havia negociação, apenas imposição travestida de sugestão. Álvaro aceitou. Mais uma vez, demonstrou lealdade ou seria subserviência?
O ano de 2022 marca a primeira grande fissura pública. Álvaro empenhou capital político para defender Carlos Eduardo como candidato da oposição ao governo estadual, enfrentando a resistência de Rogério Marinho e negociando com Ezequiel Ferreira. A construção da candidatura exigia articulação, desgaste e convencimento. Carlos, no entanto, decidiu trilhar outro caminho: fechou com o grupo de Fátima Bezerra para disputar o Senado. O detalhe agrava o gesto, fez isso sem avisar o principal articulador de seu nome na oposição. Na política, há divergências estratégicas legítimas. O problema não foi Carlos mudar de lado, mas fazê-lo pelas costas de quem defendia publicamente sua candidatura. Se há deslealdade nessa história, é necessário perguntar: de qual lado ela começou?
O último capítulo dessa novela política, em 2024, é revelador da soberba que frequentemente acompanha o poder. Às vésperas da eleição municipal de Natal, conversas avançadas indicavam que Álvaro apoiaria Carlos Eduardo. Tudo caminhava para um novo pacto até que Carlos proferiu a frase fatal: “Você sabe que eu ganho com você ou sem você”. A declaração é um manual sobre como não fazer política. Ao minimizar publicamente a importância do apoio de um aliado histórico, Carlos não apenas o desrespeitou, mostrou que o considerava dispensável. Álvaro reagiu como qualquer político faria: escolheu apoiar outro aliado histórico e que clamava por seu apoio, Paulinho Freire, que venceu a eleição.
A trajetória dessa relação política ilustra um fenômeno recorrente: líderes que confundem força eleitoral momentânea com invencibilidade. Carlos Eduardo cometeu o erro clássico de acreditar que poderia prescindir de alianças consolidadas, confiando excessivamente em sua própria capacidade de mobilização. A política, contudo, é feita de reciprocidade. Álvaro demonstrou lealdade em 2018, ao assumir e honrar compromissos alheios; em 2020, ao aceitar a indicação imposta para vice; e em 2022, ao defender publicamente um nome que acabaria por trocá-lo de lado sem aviso prévio. Quando finalmente reagiu, em 2024, não foi por traição, mas por respeito próprio.
A acusação de ingratidão soa particularmente irônica. Se gratidão é reconhecer favores recebidos, seria razoável perguntar: quantas vezes Álvaro silenciou suas próprias ambições para viabilizar os projetos de Carlos? Quantas vezes engoliu imposições em nome da unidade do grupo? A frase que encerra o relato “a mágoa de Carlos Eduardo está levando-o a perder a memória”, sintetiza com precisão o problema. Na política, como na vida, a memória tende a ser seletiva quando serve aos interesses do momento. Esquecemos as concessões que recebemos e amplificamos as que fizemos. Ignoramos as deslealdades que praticamos e destacamos as que sofremos.
O embate entre Carlos Eduardo e Álvaro Dias não é excepcional na política potiguar ou brasileira. É apenas mais um capítulo da eterna tensão entre ambição pessoal e compromissos coletivos, entre a vontade de poder e a necessidade de alianças. O que fica de lição é que, na política, memórias curtas costumam produzir carreiras igualmente breves. E que a arrogância, por mais eleitoralmente atraente que possa parecer no curto prazo, raramente sobrevive ao teste do tempo e das urnas.